Semana cinzenta

O tempo não anda a regular bem, tal como o Governo da nação, a Autarquia da paróquia de Salvador de Freamunde, os treinadores de futebol e outra gente que adquiriu o péssimo hábito de regular mal o ano inteiro.

Com tanta desregulação, os acontecimentos ao emergirem das suas causas, contentes pela oportunidade de serem algo, olham em redor e logo desfalecem. Perdem a vontade e o tesão de acontecer. Aninham-se desorientados e começam a desregular. No meio da confusão, optam por não acontecer.

Freamunde pode queixar-se da sua exclusão dos acontecimentos de cima de comboios de razões. Em boa verdade, nenhum acontecimento de respeito tem desejo de emergir em Freamunde. O terreno não é propício e os horizontes estão tapados por denso nevoeiro. O sol, nas raras vezes que brilha, não é para todos, apenas para alguns. Um clima péssimo que fustiga a fertilidade e abre avanço ao deserto, à esterilidade social e morte do pensamento como razão suprema da vida humana.

Os anémicos acontecimentos mais recentes, personagens da mediocridade de uma terra que não consegue ultrapassar um problema autárquico com sentimento bairrista e dignidade democrática, restringem-se à “Verdade dos Factos” do PSD, uma passeata turística fluvial pelo percurso pós-eleições, guiada em social-democratês, pelo exaurido rio da verdade e a “Tirania” da CDU, a estragar o passeio, abrindo desvios à escassa corrente. Tudo o mais passa pelo cu de uma agulha como camelo ou elefante pelos buracos do Orçamento de Estado, que não se vê onde começam e onde acabam. Estes dois acontecimentos, em formato de comunicado, abrem e fecham, nos últimos tempos, a série em Freamunde, isto, se não contar para este campeonato dos acontecimentos, um buraco que a Junta tapou em Freamunde de Cima, com forma geométrica definida.

Um buraco de respeito. Não era um buraco irregular, esdrúxulo. Não. Era um buraco bonito e perigoso que escolheu a forma triangular para se mostrar a quem o quisesse ver. É certo que o triângulo, tal como o amarelo, têm os seus difamadores e os seus admiradores. Sem o amarelo, Van Gogh não teria sido pintor; sem o triângulo, as Bermudas não constariam do mapa; e o amor, sem as triangulações passionais, que tanto sangue faz correr e tantas mortes oferece à tragédia não seria a base de uma indústria do espectáculo, tanto mais próspera quanto mais sangue for vertido. O próprio futebol, oportunista de primeira, já há muito tempo engendrou tácticas e estratégias com base na triangulação. Portanto, não se sabe com que intenção, a Junta tapou esse buraco de grande qualidade artística e perigosidade máxima, quando buracos que são uma vergonha visual e incapazes de acabar com a suspensão do carro mais débil continuam em exibição para parolo ver e automobilista gozar a fazer-lhe fintas. Há coisas que não se percebem.

Voltando ao tempo, motivo permanentemente actualizado, ou porque chove e devia fazer sol, ou pelo inverso, ou porque a temperatura não está à feição do agrado do nosso corpo, é salvação nos momentos em que o assunto se pirou pelas traseiras e nos deixa sem fala. É nestes momentos de angústia e sorriso amarelo (vejam as múltiplas aplicações do amarelo), que o tempo, tal como no conto de Eça de Queirós, “Suave Milagre”, abre devagar a porta e diz: - Aqui estou.

Mas não é deste tempo sociável, que nos estende a mão quando precisamos dele, mas de um outro tempo insensível que se está a cagar para nós, que pretendemos falar. É do tempo estouvado que nos dá a volta à cabeça e nos põe a ver o mundo em rotações de 90 e 180 graus, isto é, de lado e de pernas para o ar. Imaginem que os redactores deste blogue, toldados pela falta de acontecimentos em Freamunde, ainda não apareceram na redacção, nem enviaram e-mail com prosa publicável. Há dias, encontramos um, num café cá da aldeia, a lastimar-se da subida de 60 cêntimos numa garrafa de whisky e que assim, nesta carestia crescente - chorava ele - não dá para trabalhar, que a inspiração fica cada vez mais cara, etc., etc.

Não queríamos acreditar.

Não na subida, mas no whisky foleiro que o gajo anda a beber. É transparente como cristal limpo com algodão em rama que um whisky decente, enobrecido pelos anos, quando sobe nunca o faz por menos de cinco a dez euros, o mínimo para manter a classe e a elegância das coisas invulgares. Esta descoberta dos nocivos efeitos da crise, permitiu-nos perceber a razão de alguns comentadores deste sítio se azedarem, como vinagre de sidra, com alguns posts aqui publicados. Pudera! Prosa irrigada com zurrapa não satisfaz o gosto de comentadores exigentes, possuidores de subtil entendimento e trato distinto.

É bom sabermos das coisas para tomarmos as medidas adequadas. Considerando que a Administração vendeu as acções do blogue a crédito e ainda não recebeu um tostão das mesmas, mantendo o cofre limpo e aberto nas melhores condições de recepção do corrimento financeiro, mal ele se inicie; considerando que enquanto o corrimento financeiro não se iniciar, não temos condições de abastecer os nossos redactores com whisky compatível com o seu trabalho intelectual, a sua missão evangelizadora dos aborígenes locais e aprazimento das suas necessidades fisiológicas da bebida medicinal; considerando, por último, que a esmagadora maioria dos visitantes do blogue são pessoas solidárias com o próximo, neste caso, com os redactores do blogue, apelamos para que nos enviem generosamente, em quantidade e qualidade, o máximo de garrafas de whisky, acima de doze anos, para voltarmos a ter uma redacção feliz, produtiva e inspirada. Se a bebida afluir em caudal, não haverá mais crise de acontecimentos: os nossos redactores inventam-nos às dezenas e para todos os gostos. Muito melhor investimento que nas acções da EDP. Será, também, o fim das semanas cinzentas. Todos ficamos a ganhar. É este o princípio da troca justa.

A administração do Freamunde Livre