28 maio, 2010

28 de Maio de 1926






 As acções de 4 e 5 de Outubro de 1910, que implantaram a República, tiveram a participação de operários, anarquistas e socialistas que se juntaram aos soldados e marinheiros arregimentados pela Carbonária e aos militares mais resolutos do Partido Republicano, esperançados numa mudança de regime que lhes desse melhores condições de vida.

A nova situação política estimula as greves, que eclodem para além da capacidade reguladora da incipiente estrutura sindical, impotente para as enquadrar e dirigir. Por outro lado, o relacionamento das novas autoridades republicanas com o movimento sindical não começa bem. A repressão dos conserveiros de Setúbal e da greve do movimento de solidariedade, em Abril de 1911, indiciam grandes dificuldades futuras.

As greves rurais de Évora, em 1912, são esmagadas com dezenas de prisões, o encerramento de associações e geram um movimento de solidariedade que se materializa numa paralisação de trabalho que se prolonga por três dias, tendo-se alargado a várias regiões do país. Dois dias depois, forças militares e militarizadas equipadas com artilharia cercam a Casa Sindical, em Lisboa. Dois sindicalistas vão parlamentar com o Comandante das forças que lhes dá a ordem: ou se rendem em cinco minutos ou o prédio é bombardeado! Cerca de 520 pessoas abandonam o prédio e são conduzidas em filas, entre soldados armados para bordo de navios surtos no Tejo, sendo conduzidas para o Forte de Sacavém, para a Penitenciária e para o Limoeiro, onde algumas permaneceram cem dias. O quadro das represálias é muito mais vasto e acentua o divórcio entre o movimento sindical e a República. Não obstante este mau relacionamento, o movimento operário expande-se na luta pelos direitos dos trabalhadores e pela organização sindical, com numerosos recontros com as forças policiais dos quais resultam mortos, feridos e milhares de prisões. As múltiplas tendências sindicais enfraquecem o movimento e tornam-no em presa fácil da repressão governamental. Dizia Joaquim Madureira: “A República-Revolução tem de ser a República –Governo: e se a revolução para triunfar teve de dar ao povo frases, o governo para se manter tem de dar ao povo tiros: todo o Governo é opressão, toda a opressão se mantém pela força e pela violência.”

A República tem, desde o início, uma grande dificuldade no estabelecimento da democracia. A instabilidade da época, com a fermentação da I Grande Guerra, a ameaça às colónias e uma constante pressão espanhola dificultam em extremo a estabilidade governativa. Um regime em crise profunda, com um agravamento até à rotura das tensões sociais e um frouxo ou nulo progresso económico desemboca, fatalmente, em ditadura pela degradação política-económica-social e pelo cansaço causado pela perturbação permanente.

O golpe militar de 28 de Maio de 1926, sem programa, executado por militares simpatizantes do general espanhol Primo da Rivera e de Benito Mussolini, surge naturalmente no caos político-económico em que se vivia. Gomes da Costa foi o palhaço escolhido para as operações militares da revolução. A sua aparatosa entrada em Lisboa, montado num cavalo branco e espada reluzente em punho, foi espectáculo de rua apropriado à populaça e às ovações que a miséria estomacal e mental consagra aos heróis que lhes ditam o destino, sempre miserável em comes e bebes, mas abundante em promessas de vida dourada.

Findo o desfile, foi tomar banho e descansar das fadigas da jornada. Lavado e perfumado pelas ordenanças de serviço, empossaram-no nas funções de chefe do Governo e de Presidente da República por três semanas, findas as quais o Exército, com base numa burrice que cometeu, naturalmente, exige a sua demissão e leva-o para Angra do Heroísmo. Livres do animal, os chefes militares confiam a chefia da situação ao general Carmona, que ia a passar por ali naquele momento a trautear um antigo fado da Severa e era um general mesmo ao nó para a ditadura militar. Alguns deles foram a correr à secretaria fazer um decreto que o nomeava Presidente da República interino e ele ficou muito contente com a nomeação.

Nas sombras das movimentações fascistas andava um parolo das Beiras, de maus fígados, a preparar as bases da sua ascensão ao poder. Finório do tipo iletrado que compensa o analfabetismo com a esperteza do olho vivo que o nascimento pobre confere a alguns, mas com um vasto arsenal de conhecimentos adquiridos no seminário e em leituras diversas, molda o seu pensamento nas encíclicas do Papa ultra-reaccionário Leão XIII e em Charles Maurras, outro reaccionário do pior que já se viu. Com mestres desta envergadura não lhe foi difícil formar o carácter ditatorial e treinar o pensamento nas concepções autoritárias do poder. A sua habilidade esguia e escorregadia permitiu-lhe atravessar todos os interstícios da intriga política até à conquista do poder absoluto.

Este aldeão de Santa Comba, apoiado a quatro patas na Igreja Católica, donde recebeu a formação, aplica ao país os princípios económicos do merceeiro, obriga os portugueses a irem cedo para a cama fazer filhos em série (o único sector avançado do país), contenta-os com uma malga de caldo, porque lhe constou que os chineses se bastavam com uma tigela de arroz e não morriam. A abundante produção de filhos dava braços aos monopólios para todas as suas necessidades operárias, dos excedentes, uma parte tuberculizava, a outra apanhava restos onde os havia e pastava ervas cozidas. Morrer cedo também era uma solução para as sobras de mão-de-obra, esta solução era ecológica, da responsabilidade da Natureza.

O regime nascido do golpe militar de 28 de Maio de 1926, que pôs fim à democracia parlamentar da I República é legitimado pela Constituição de 1933. Salazar fez aprovar a lei que lhe asseguraria o poder vitalício, autoritário e ditatorial. Começa, então, a investida contra o povo português que odiava. Proíbe a existência de partidos. Os sindicatos, através da promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional, são fascistizados, assim como Grémios e Casas do Povo. São criados os Tribunais Militares Especiais e mais uma catrefada de organismos, entre eles a PVDE (mais tarde, PIDE), junção de duas polícias já existentes para aumentar a eficácia repressiva. O Estado Novo Corporativo começou logo por ser um Estado policial barbaramente repressivo. No mesmo dia em que são registados os resultados do plebiscito da Constituição de 1933, o Diário do Governo publica o decreto-Lei nº 22.469, que institui a Censura. O pensamento e a opinião livres estão proibidos. Em Portugal, apenas um homem ficou autorizado a pensar e a ter opinião: Salazar.

A partir da Constituição de 1933, nascente de um manancial de leis arbitrárias, ficam justificadas as perseguições, as prisões sem culpa formada e por anos indeterminados, as deportações, os assassinatos políticos, as torturas inenarráveis infligidas aos resistentes. O pensamento e a opinião são crimes. A clandestinidade torna-se obrigatória para os lutadores contra a ditadura. Apenas o Partido Comunista se aguentou no combate desde 1926 até 1974. A conciliação de classes era obrigatória e o grande capital beneficiava do condicionamento industrial para se livrar da concorrência. Às mulheres cumpria-lhes parir ininterruptamente, servir o chefe de família e cuidar da sua prole. Ao chefe de família cumpria-lhe trabalhar por um salário de miséria sem reclamar por causa da conciliação de classes obrigatória, votar no Governo da Nação, curar as doenças com remédios caseiros, aguentar o desemprego à sua custa e pôr de reserva um pau e um saco para quando chegasse à idade da reforma ter o equipamento mínimo necessário para ir pedir esmola. Foi assim até ao dia 25 de Abril de 1974.

A estreiteza de vistas do ditador Salazar e a sua maldade intrínseca coloca-o entre as maiores bestas humanas de todos os tempos. A história do Estado Novo é uma história de terror, de sangue e miséria, uma dor repugnante que jamais esquecerá, é também uma lição que não perde actualidade. O Golpe Militar de 1926 teve origem nos erros crassos dos republicanos, nos seus preconceitos classistas de burgueses rústicos e de políticas antidemocráticas. Não podemos esquecer que o movimento sindical foi sempre altamente reprimido pela I República. Não há democracia quando a maioria da população - os trabalhadores - são espezinhados nos seus direitos e na sua dignidade humana.

Esta leitura histórica do nosso passado tem similitudes no presente que nos devem preocupar. O direito ao trabalho diminui constantemente no nosso país. O fosso entre ricos e pobres aumenta perigosamente. A carga fiscal está atingir um peso que nem a mais robusta junta de bois suporta. O aparelho produtivo está em desmantelamento contínuo. O endividamento do país soma e segue. A descrença no Estado só não atinge quem mama nele. Os ingredientes para um golpe reaccionário estão a juntar-se. Já se ouve clamar por um novo Salazar. Há quem diga que a história se repete. Longe vá o agouro! Tarrenego, Satanás!

Freamunde Livre



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