Férias

Inicialmente, tínhamos pensado revisitar esta ilha e repetir as paradisíacas férias que nela fizemos em anos anteriores.

Não descartamos outras hipóteses e colocamos esta outra ilha na agenda das preferências, em segundo lugar.

Como última opção, escolhemos este lugar horroroso para apanharmos um trauma que nos fizesse fugir a velocidade louca destes locais parolos de promiscuidade imunda.

Finalmente, a nossa sensibilidade e o nosso patriotismo ouviram as palavras sábias, justas, de grande fervor pátrio do senhor Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, exortando os portugueses a passarem férias cá dentro, poupando nos gastos e reduzindo o endividamento associado ao regabofe no estrangeiro.

Atendendo, pois, às falas judiciosas do mais alto magistrado da nação portuguesa, que gerou homens de grandes conquistas como o Infante D. Henrique nos descobrimentos e Carlos Queiroz no futebol, decidimos poupar a sério e aí vamos nós, à velha maneira cigana, acampar em qualquer sítio. Não se vê na foto, mas levamos um contentor da “SUMA” para deitar o lixo. Somos ambientalistas do melhor que há.

Também somos bairristas do melhor que há. Vamos promover Freamunde cá dentro, que é onde o senhor Presidente nos pediu que ficássemos. O grande volume de malas que se vê na fotografia não é só bagagem para as nossas necessidades, algumas malas vão cheias com comentários foleiros, seleccionados entre a nata dos piores daqui do blogue, para mostrarmos por aí abaixo, pelas terras por onde passarmos e acamparmos, como Freamunde é uma terra desenvolvida, culta e de grande capacidade de raciocínio e inventiva. Um prodígio.

Com este marketing, contamos captar milhares de visitantes para os nossos monumentos, para os concertos excelsos na Casa da Música, para a pesca à mão nas enormes lagoas do Parque de Lazer, técnica exclusiva de Freamunde, desenvolvida a partir da altura em que os peixes começaram a ficar sem boca pela quantidade de vezes que foram pescados e atirados novamente à água.

 Os comentários constituem a nossa grande arma turística. Estamos confiantes de que, para além do turismo genérico, iremos atrair especialmente o turismo zoológico (contemplação e contacto com a biologia animal), hoje com grande procura nos estratos civilizados do país. Um turismo de qualidade que nos vai ser devido. No momento do êxito, quando ele chegar, não nos armaremos em protectores e promotores de Freamunde, como outros sem ficha de trabalho se arrogam. Fazemos isto de borla e com gosto. Freamunde precisa rentabilizar as suas atracções. A Junta tem feito o que sabe e pode, como não sabe nem pode, não tem feito nada. Excepção dada a um outdoor mandado para os olhares públicos há uns três ou quatro anos, que não convenceu ninguém. Mais uma despesa num orçamento de fome que acelerou a visibilidade do esqueleto sob a pele encardida da Junta.

Milionários, pobretanas, chulos, vigaristas, gatunecos, políticos, partidos, paneleiros, lésbicas, toda a escumalha humana e mais a gente de bem - que é pouca, mas tem de ser respeitada - só voltamos a foder-vos o juízo daqui a duas ou três semanas.

Descansai. Descansai como vos der mais jeito: de cú para o ar (não recomendado), ou de barriga ao alto!

Cristo, que conhecia as vantagens da moleza humana como ninguém, dizia das alturas da sua sabedoria divina: “Em verdade vos digo, homem que descansa é o primeiro a encher a pança; mulher queda não acende labareda; burro que dorme não tem fome; homem que trabalha tece a sua mortalha; não parar é asnear; mexer é o contrário de estar quieto, perdão, esta não é minha, é da Lili Caneças que o profeta que ando a ler dá como certa no século XX depois de mim. E para acabar com as parábolas que a conversa começou na lua nova e já é chegada a lua cheia, vou ali ao tasco que vedes ao fundo da montanha comer uma bucha de pão com chouriço e beber dois quartilhos de tinto, que bem preciso de retemperar forças para continuar a transmitir a mensagem do céu, sempre temperada com vinho, como manda o Pai, para que a inspiração corra como mel em cortiço de abelhas onde não há desemprego, rendimentos mínimos garantidos e outras calamidades do liberalismo. Todas as abelhas têm uma tarefa e todas recebem a justa retribuição do seu trabalho. Olhai as formigas e maravilhai-vos, ímpios desatentos. Todas trabalham para uma comunidade onde recebem por igual. Carregam sementes enormes, pesadas como penedos. Quando o peso é excessivo, arrastam-nas de marcha atrás, que continua a ser a melhor forma de arrastar. Todos os animais descobriram isso e são analfabetos de nascença, como vós. Como podeis suplantar-vos a eles, vaidosos dum raio? Tomai exemplo dos bichos e não de outros iguais a vós, que em sendo iguais a vós não são grande cousa.
(Pai, desculpa o excesso, mas com esta gente perde-se a paciência, mesmo quando se tem nascimento divino.)
Ide em paz, voltai depois das férias e não forniqueis mais que uma vez por dia, ou noite, por cair em desperdício e ser esforço desidratante em tempo de calor. Cuidai do corpo para que a alma não fique sem abrigo. Gastai o que for preciso e ficai a dever aos bancos o mais que puderdes por serem obra do Diabo. De igual modo, não pagueis impostos ao Estado que é o maior vigarista, o maior corrupto, o maior cobrador de contas falsas. Tudo o que é malandragem vive à sua sombra e protecção.
Ide, descei a montanha devagar, que estes sermões não estão cobertos pelo seguro. Gozai as férias que vos dou para aumento da vossa fé. Se algum de vós, mais abastado, quiser ir para o estrangeiro, aconselho Freamunde. Quem fizer uma penitência de quinze dias nessa terra, tem o seu lugar garantido no céu.
Agora ide e voltai mais limpos do corpo e mais abertos da mente. Alguns de vós cheiram mal e outros não têm entendimento para o que eu digo. Boas férias, meus irmãos e que o Pai vos acompanhe!

Freamunde Livre