A condenação dos arguidos do caso Casa Pia não redime a justiça portuguesa, muito longe disso, antes mostra a sua parcialidade, confusão e permeabilidade às influências políticas e de outras origens.
O acervo de leis oportunistas que foram produzidas ao longo das legislaturas não permite julgamentos sérios e isentos. Para haver justiça tem que se começar pela condenação e prisão dos legisladores que dão autoria à monstruosidade jurídica deste país, com penas não inferiores a 100 anos de prisão, para ficarmos com a garantia de que não continuarão a aumentar o monte das iniquidades e das ciências ocultas.
É uma ilusão pensarmos em justiça com uma legislação alicerçada em artifícios de todas as cores e feitios, que permite todo o tipo de arbitrariedades. Por exemplo: a juíza de instrução, Ana Teixeira de Silva, deu-se ao atrevimento de considerar credíveis as testemunhas que condenaram Carlos Cruz, e não credíveis em relação a Paulo Pedroso. Bom, se não era o Paulo Pedroso, quem era? Alguém teria de ser, no entanto, não se procurou saber quem seria. Mais adiante, nos dois processos de difamação que o ex-deputado do PS avançou contra os jovens pelos crimes de difamação, não se provou que as testemunhas mentiram, no entanto, o Estado arrotou com uma boa indemnização. A partir daqui podemos constatar que a isenção dos juízes, nalguns casos, é uma fábula. A realidade é esta: não há ninguém isento e a Justiça não é uma divindade impoluta e cega na observação das personagens em conflito. Tudo é falível, contingente e manobrável.
Os seis condenados do processo “Casa Pia” são uma gota no oceano pedófilo. A Polícia Judiciária estima que mais de 100 rapazes e raparigas dos 4600 alunos inscritos na Casa Pia nessa altura, possam ter sido abusados sexualmente. Esta quantidade de abusados pressupõe mais de seis pedófilos, como é evidente. A estimativa da polícia indicia um número de pedófilos muito superior ao que foi julgado. Onde estão os restantes?
Em escândalos desta natureza, com precedentes no antigo regime, uma investigação levada às últimas consequências poderá pôr em causa o próprio Estado. É por esta razão que quem foi apanhado lixou-se e paga a totalidade da factura para preservar o restante. Seis condenados para apaziguar a ira popular e retocar a imagem esborratada da Justiça e do Estado num caso monstruoso de animalidade, não é caro, é preço de feira de ciganos.
A morosidade do processo não é escandalosa se considerarmos o atraso deste país. E não é crível que em qualquer outro país, dos ditos da frente, se conseguisse o julgamento em muito menos tempo ouvindo 981 pessoas – 920 testemunhas, 32 alegadas vítimas, 19 consultores técnicos e 18 peritos. A diferença está em que em nenhum país, dos ditos da frente, se faria o disparate de ouvir um estádio de futebol em dia de lotação esgotada. Uma exorbitância própria da estupidez nacional, 2ª no ranking internacional, logo a seguir aos Estados Unidos que é o 1ª em tudo que é mau. Entretanto, nada de desânimos, porque o espectáculo apenas chegou ao intervalo. O meio tempo que vem a seguir promete ser muito melhor que a primeira parte.
Os exercícios de moralidade que o caso Casa Pia tem permitido têm sossegado muita consciência. Como poderíamos saber que existem tantas pessoas fiéis à lei monogâmica da procriação, rígida na sua execução, que limita o comportamento genital à gestação de filhos, como o bom deputado do CDS que há anos atrás informou a Assembleia da República e o país de que, da parte dele, como fiel católico, um coito um filho e ai do filho que o obrigasse a dois coitos por falhanço do primeiro.
A verdade, a verdade eroticamente nua é que o sexo é um instinto e escapa, muitas vezes, ao controlo mental das pessoas. Hipocrisias à parte, a homossexualidade e a pedofilia, em parceria com as outras inumeráveis variantes do instinto sexual, são uma constante da vida humana e não vão ser erradicadas, nunca. É com esta realidade que temos de conviver e só uma sociedade diferente da actual, mais próxima da Natureza, mais culta e educada, menos conflituosa no seu relacionamento social, equitativa na distribuição do produto interno bruto, solidária, cooperante, pacífica resolverá estes problemas escabrosos. Enquanto não chegarmos lá, toda a chinfrineira em torno dos desvios sexuais é apenas chinfrineira. Prisões, castrações químicas e outras torturas não resolvem coisa nenhuma. Não são cura, são castigo.
A natureza humana é poligâmica, a sexualidade mais eficiente do ponto de vista qualitativo e quantitativo. A sociedade humana, na sua maior fatia, assenta na monogamia contra a sua própria natureza por razões económicas. A família é a célula estruturante de toda a economia por ser uma unidade de consumo global. Esta contradição entre a natureza e a necessidade social fomentará sempre anomalias sexuais que a imaginação mais fecunda não conseguirá acompanhar, por mais que dê ao pedal.
O toque neste problema da Casa Pia não pode ser dado com a luva da hipocrisia. A magnitude da pedofilia é cósmica. A campeã da moralidade, da castidade e da caridade, a Igreja Católica, é o maior centro mundial de pedofilia. Esta verdade já obrigou um dos Papas mais reaccionários dos últimos cem anos, Bento XVI, a pedir desculpas às vítimas e a pagar-lhes indemnizações consideráveis. Ninguém está de fora, toca a todos, instituições e particulares.
Um mergulho no passado, até uns dois mil, dois mil e quinhentos anos de profundidade, o problema da Casa Pia não se punha, não existia. A moral desse tempo era outra e as condições sociais e económicas completamente diferentes das actuais. A prática da pederastia (amor ou atracção de um homem por um adolescente) era perfeitamente normal “tendo evoluído ao ponto de se transformar numa instituição social estimada, desempenhando funções precisas e vitais, reguladas pela lei e pela tradição, uma instituição elevada a uma dimensão cultural, dignificada por uma filosofia.”, segundo Royston Lambert, tendo constituído, também, um ideal estético da puberdade masculina.
A Grécia, a par da filosofia, democracia, matemática, teatro e outras “barbaridades” legou-nos a pederastia, praticada desde tempos imemoriais na Ilha de Creta e que se prolongou na prática sexual de todo o Império Romano. É famosa a paixão do imperador romano Adriano por Antínoo, jovem grego possuidor de grande beleza. Uma paixão à Romeu e Julieta, com a diferença de ser homossexual.
Após o suicídio de Antínoo, Adriano ensopou lençóis com lágrimas, baptizou estrelas, construiu cidades, esculpiu estátuas, escreveu poemas com o nome e o corpo do seu amante. Pouco menos de dois mil anos depois deste drama amoroso entre dois machos, em Portugal e no mundo, homens adultos continuam a apaixonar-se por homens adolescentes.
Em face desta realidade, é de admitir que na altura da Criação, alguém sabotou o plano de fabrico da humanidade alterando-lhe fórmulas. O resultado está à vista: guerras, crimes inumeráveis, sexualidade caótica. O antagonismo entre o instinto, de registo obrigatório no acto de nascimento, e a antropologia social, o homem feito por si mesmo continua numa tensão incontrolável e continuará pelos tempos fora.
Melhor seria que admitíssemos os nossos defeitos congénitos e sociais e adoptássemos uma atitude de tolerância positiva. Reflectir sobre o nosso relacionamento social e procurar a cura para os males que fazem de nós monstros, um caminho que necessita de ser mais percorrido e por mais gente.
A cadeira eléctrica, a forca, a prisão infundem medo, mas não curam. Se não evoluirmos de uma sociedade repressiva por interesses de exploração económica para uma sociedade aberta de igualdade material e humana não sairemos, jamais, desta dança macabra.
A Casa Pia não é o início, nem será o fim da pederastia em Portugal. O problema continuará, alheio a todas as condenações reais ou fictícias deste escândalo dos nossos dias.
ORM / TP
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