09 abril, 2011

A TRIBUNA soma e segue



Os aniversários, quando cortam metas de longevidade, abrem-nos o baú das recordações e levam-nos de regresso ao passado. Este primeiro quarto de século da “Tribuna Pacense” facultou-me uma viagem, pessoalmente interessante, ao tempo do seu nascimento do qual, por uma particularidade singular, tenho viva memória.

Na década de 80, o espírito do 25 de Abril ainda esvoaçava nos ventos de Portugal, levantando voo de cada um de nós para uma pesquisa de horizontes ou para flutuar na brisa em remanso voluptuoso de liberdade. Essa força imaterial que nos tonificava os músculos e nos elevava acima de nós próprios em demanda de todos os universos exploráveis e imaginários saída da erupção de Abril pôs, simultaneamente em Paços de Ferreira e Freamunde, alguns jovens a trabalhar projectos de comunicação, porventura a maior e mais sentida necessidade de um país de mudos por lei e pela força bruta.

Sem saberem uns dos outros, estes jovens de Paços de Ferreira e Freamunde, trabalham a sua cidadania e o futuro do concelho e do país, ambos longamente martirizados pelo despotismo inumano de um regime de loucos, desbravando terreno para a expansão da democracia através da palavra escrita.

Tratava-se de um combate de primeira linha.

A palavra é a génese da Humanidade. Nós somos o nosso discurso e as nossas ideias não se deslocam sem o suporte da água da palavra. Comunicar, trocar ideias assenta, basicamente, no complexo de sons da palavra ou na sua simbologia escrita, pintada, musicada. Abrir-lhe todos os percursos foi empreitada que a poética Revolução dos Cravos entregou às gerações que lhe assistiram o nascimento. Alguns de nós aceitaram a responsabilidade da escrita, outros tomaram conta de outras tarefas, que a vida também consome outros alimentos.

Nesse magnífico tempo de todos os sonhos e vontades activas, eu e o meu irmão Rui preparávamos um jornal concelhio nada poético, mas com o activo nome de “Assembleia Geral”. Era nossa intenção, essa sim, poética, pôr todo o concelho em comunicação para uma rápida recuperação do tempo perdido. Maqueta pronta, estatuto editorial redigido, só faltava o director. Estava a lista de contactos a ser elaborada, quando num desses dias me desloco a Paços de Ferreira e bato de frente com um novo jornal nos escaparates da imprensa: “TRIBUNA PACENSE”. De regresso a casa, atiro ao meu irmão:
- Vamos ter de suspender o jornal. Vi há pouco um novo título em Paços de Ferreira e acho que devemos esperar para ver o que aquilo é o que dá. Lançar dois títulos, quase em simultâneo, é uma confusão prejudicial a ambos. Os recentes lançamentos anteriores não vingaram, como sabes. Vamos aguardar para ver o que este dá. Entretanto acho que devemos pôr tudo pronto, ir analisando o andamento deste novo jornal e na altura, decidirmos se vale a pena avançar com o nosso projecto ou metê-lo na gaveta.  

Meia hora depois ficou assente que iríamos durante um ano analisar o comportamento do novo título. Não sei se ao fim de um ano ou dois o nosso projecto foi metido na gaveta, onde permanece, apenas como recordação.

Não posso precisar o tempo, mas já é longo, em que me tornei colaborador da “concorrência”, martirizando-a com as minhas diatribes, pondo-lhe à prova uma paciência sem limites, que também serve de demonstração da liberdade que a palavra goza nas suas páginas.

A imprensa local, o mais importante meio de comunicação das populações concelhias, não tem a sua utilidade reconhecida pelo Estado, que exerce sobre ela uma censura velada através da asfixia financeira. O Estado Social, proclamado de boca cheia pelos demagogos do regime, multiplica-se em mordaças contra o pensamento na sua livre expressão. Não há liberdade de expressão. Há liberdade de mistificação da verdade, a pior das censuras do pensamento.

Nestas condições difíceis, a imprensa local sobrevive do sacrifício heróico dos seus responsáveis. A situação de censura política, instituída ou velada, implica automaticamente a situação de autocensura. Esta é outra das dificuldades da imprensa local que, por tal razão, dispõe de um número diminuto de colaboradores disponíveis para o tratamento das questões autárquicas. O poder político, como no caso de Paços de Ferreira, há muito tempo no modo ditadura, intimida, silencia, assusta pela represália, subjuga com a expectativa da benesse canina e, contrariamente à antiga canção de protesto, cá, aqui em Paços de Ferreira, o machado corta a raiz ao pensamento. Não há actividade crítica regular, não há uma cidadania interventiva, não há actividade política inscrita nos hábitos dos pacenses. Estamos numa sociedade fechada, interdita ao cidadão comum na qualidade de participante da realização comunal. 

Recuperar um pouco do conceito da pólis grega, onde a vida da cidade estava ao alcance da vista e do espírito e em permanente abertura a todas as actividades públicas, talvez fosse um bom trabalho para a “geração à rasca” que só aos trinta anos aprendeu a protestar. Aprender a cidade e a vida nas suas formas democráticas é instrução para todas as idades, erguer-lhe os tijolos é trabalho para os mais novos. Andem.

Neste 25º aniversário da “TRIBUNA PACENSE” saúdo toda a imprensa local e enalteço-lhe a coragem do pescador que se faz ao mar sobre a tempestade. A pesca da palavra sempre foi feita em mar revolto. Continuará assim por tempo indeterminado, não obstante, os pescadores não desistirão da faina. Umas vezes com abundância, outras com escassez, haverá sempre pescado nas páginas da imprensa local.

À “Tribuna” desde já garanto que, em 2036,cá estarei para o 50º aniversário. Na mais que provável ausência corporal, mandarei representar-me pelo meu espírito, que eu não sei como vou, até lá, ensinar a comer um assado e a beber um encorpado e aromático maduro no jantar comemorativo. Por tal dificuldade, corro o risco de ter de ressuscitar para a cerimónia do repasto. Não hesitarei, se tal for necessário.

ORM / TP

4 comentários:

  1. Caro administrador deste blog:

    Tenho enorme consideracao pela sua pessoa, e sou um leitor e comentador atento dos seus posts.

    Nao concordo, o que me parece natural, com muitas das ideologias e forma de as exprimir, que o caro amigo por vezes nos brinda neste seu espaco democratico e plural.

    Na minha opiniao o modo comunicacional utilizado nos nossos dias ( radio,televisao,jornais, etc ) para promover ideias e gerar mudancas esta esgotado e politizado.

    O bem estar de todos, nao esta nas maos de grupos especificos mas da comunidade no seu todo.

    Neste sentido, gostaria de saber qual a sua opiniao na criacao de um grupo de trabalho de BRAINSTORMING ao servico da nossa comunidade, com o objectivo claro do bem estar de todos sem excepcoes.

    Aguardo a sua opiniao neste seu espaco, ou se preferir para o mail globalsale2011@gmail.com.

    Obrigado pela atencao.

    A.A.C.M.

    ResponderEliminar
  2. O senhor é sem duvida um grande escritor, tem uma capacidade imensa para escrever estes post.
    Sinceramente os meus parabens.

    Continue.

    ResponderEliminar
  3. A proposta da criação de um grupo de brainstorming sobre temas locais apresentada pelo comentador A.A.C.M. tem grande interesse e será o tema do nosso próximo post. Ideias geram ideias. Freamunde tem cabeças, está mais que na hora da inteligência prevalecer sobre a politiquice rasteira, interesseira e burra.

    Freamunde Livre

    ResponderEliminar
  4. Obrigado pela atencao dispensada e pela informacao prestada.

    Aguardo com expectativa redobrada o proximo post.

    IDEIAS GERAM IDEIAS.

    A.A.C.M.

    ResponderEliminar